quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O Hamster está morto!



"A roda gira mas o hamster está morto!". Final de ano e os grandes centros, onde estão as grandes lojas e shopping center parecem um formigueiro humano. São as festas, as comemorações, as confraternizações, os votos de felicidades e prosperidade que parece acender alguma coisa que chamam de espírito natalino, ou sei lá o quê? Final de ano e a única coisa que sinto é o que sinto o ano inteiro, um asco diante das festas, onde nunca estou entregue totalmente, nunca estou livre, estou sempre travado, como se não pertencesse a isso tudo, ou ainda, que nada disso eu fizesse parte. Eu só queria mesmo é está em meu antro que eu mesmo criei, observando apenas, como um preguiçoso telespectador deitado no sofá, entendiado com a programação que só lhe causa sonolência.
Final de ano e minha caixa de email está abarrotada de mensagens singelas dos colegas, da mensagens pretenciosas do comercio e suas planfetagens, das mensagens dos meus chefes esdrúxulos. Eu já estava de saco cheio diante de tantas confraternizações... Aquele almoço era apenas para a gerencia e coordenação. Dava para perceber do início ao fim certa repulsa de todos, como se tivessem coisa melhor para fazer do que está junto com todos, como se fossem grandes amigos. Mas a carne estava boa e o chope estava gelado. Eu já olhava para o relógio como se esperasse um milagre, o tempo passaria tal qual um sono em final de tarde. Noto que quando você deseja muito uma coisa, ela nem sempre vem de forma fácil, nem por milagres, eles simplesmente não existem. Há o tal amigo oculto, aquela coisa fastidiosa e enfadonha de troca de presentes, eu deixei a muito de participar deles. Por um momento pensei na apresentação que eu deveria fazer a alguns daqueles da turma, mas disso esqueço rápido, o pensamento não se sustenta ao terceiro gole, alguns mais próximos se aproximam, como se procurassem um cúmplice daquela triste convenção, o coordenador fala algo, todos abrem o sorriso, até eu, abro outro sorriso mais alegre quando penso que nem havia ouvido direito o que ele falou. Meu cúmplice parece entender e cai na gargalhada. Começamos a sorrir como bobos, o efeito do chope já é notório, alguns falam alto, outros muito alto, outro já gritam e fazem piadas com o garçon. Já espero os tapinhas nas costas, o feliz natal, o ano novo, a merda toda! Comprimento também esperando não ser necessária minha presença no próximo ano ali.
AUTOR: JB

Em algum lugar do passado


Vou ao balcão. Peço uma cerveja em lata. O ano é início de 2005, eu acho. Ficou ali observando as pessoas como se eu fosse apenas um telespectador sem um controle remoto nas mãos, sem interação com o meio, e eu me odeio por isso. Ainda há pouco eu estava envolto a um tipo de euforia que a muito eu não sentia. Eu estava olhando o céu estrelado e achando o máximo, sentindo toda uma adrenalina invadindo meu corpo. Estava pronto para extravasar ao mundo. Minha cerveja está acabando, assim como a minha euforia de agora a pouco, penso nas mulheres, peço uma coca-cola, sei que se eu continuar bebendo farei uma das minhas inúmeras e pecaminosas situações de desdouro, e isso é quase certo, assim como é quase certo que o sol nascerá amanhã. Ela acabou de chegar junto aos seus. Alguém lhe diz que estou no balcão, ela não me procura com os olhos, dissimula uma indiferença e continua falando, puxa vida, como algumas mulheres falam!. Logo ela levanta e com a intenção de ir ao banheiro, passa pelo balcão onde estou. Disfarça e faz uma cara de supressa, vem ao meu encontro e me cumprimenta, ou não seria supressa? Trocamos alguns murmúrios, ainda vejo em sua face toda aquela coisa bonita que só encontramos nos jovens e que eu perdi a muito tempo. Ela entra no banheiro, me animo em tomar mais uma cerveja. Na sua volta ela me murmura mais alguma coisa, no entanto, toda a minha euforia agora já se dissipou por completo, perdeu-se tal qual o gosto da cerveja em minha boca. Há algo meio chato no ar, estou com sono, pensamento longe dali, perdido em algum lugar ilusório do futuro, já abro a boca em um bocejo de sono, procuro por uma coca-cola e peço minha conta. Ao sair, olho para ela cercada por vários caras, existem nos olhares sobrepostos nela um interesse sexual avultado, fantasiado por sentimentos de amizade. Por um momento ela me olha, eu lhe faço um gesto de adeus, ela por sua vez, balança a cabeça em uma negativa e seus lábios me pedem, em um gesto que mais parece uma suplica, para não ir. Eu balanço a cabeça negativamente, me viro e vou embora. Vou com a sensação de que algo me foi tirado sem permissão, como se eu me encontrasse no cinema e o filme tivesse sido interrompido. Por um momento penso nela beijando um daqueles caras no final da noite. Seria um deles, não eu. Penso na única coisa que me pertence, minha vontade, minhas crenças e meu desejo (ou não seria ao contrário?). Dirijo até em casa com certo ar de vitória. Não busquei mentir para mim mesmo. Só penso no amanhecer e quem sabe um outro dia eu não seja novamente visitado por esse estado de euforia momentâneo, do qual fui submetido ainda há pouco.
AUTOR: JB

UM ERRO DA NATUREZA


“Há pessoas para quem as melhores coisas não funcionam. Elas podem estar vestidas com uma roupa de caxemira, que terão sempre a aparência de mendigos; podem ser ricas, mas serão endividadas; ser grandes, mas nulidades no basquete. Eu hoje me dou conta de que pertenço à espécie das que não conseguem beneficiar-se das suas vantagens, aquelas para quem tais vantagens chegam a ser inconvenientes. [...]A inteligência é um erro da evolução. No tempo dos primeiros homens pré-históricos, posso imaginar perfeitamente bem, no seio de uma pequena tribo, todos os meninos correndo no mato, perseguindo os lagartos, colhendo bagas para o jantar; e pouco a pouco, em contato com adultos, aprendendo a ser homens e mulheres completos: caçadores, coletores, pescadores, curtidores... Mas, olhando mais atentamente a vida desta tribo, percebe-se que algumas crianças não participam das atividades do grupo: elas permanecem perto do fogo, protegidas no interior da caverna. Elas jamais saberiam se defender dos tigres-dentes-de-sabre, nem poderiam caçar; entregues a si mesmas, não sobreviveriam por uma noite. Se elas passam os dias sem fazer nada, tal não se dá por indolência, não, elas bem que gostariam de dar cambalhotas com os companheiros, mas não o podem. Ao pô-las no mundo, a natureza manquejou. Nesta tribo, há uma pequena cega, um rapaz coxo, um rapaz desajeitado e distraído... Assim, eles permanecem no acampamento o dia todo, e, como não têm nada para fazer e como os videogames ainda não tinham sido inventados, são obrigados a refletir e a deixar deambular os seus pensamentos. E passam o tempo a pensar, a imaginar histórias e invenções. Eis como nasceu a civilização: porque crianças com defeitos não tinham nada mais para fazer. Se a natureza não estropiasse ninguém, se o molde fosse sempre sem falha, a humanidade teria permanecido numa espécie de proto-humanidade, feliz, sem nenhum pensamento de progresso, vivendo muitíssimo bem sem prozac, sem preservativos nem aparelho de DVD dolby digital.
Eu tenho a maldição da razão; sou pobre, solteiro, depressivo. Há meses reflito sobre a doença de refletir demasiadamente e estabeleci com toda a certeza a correlação entre a minha infelicidade e a incontinência da minha razão. Pensar, tentar compreender nunca me trouxe nenhum beneficio, mas, ao contrário, sempre atuou contra mim. Refletir não é uma operação natural e fere, como se revelasse cacos de garrafa e arames farpados misturados com o ar. [...]Uma coisa que se pode admitir é que, freqüentar grandes obras, servir-se do seu próprio espírito, ler livros de gênios não asseguram a ninguém inteligência, mas tornam isso provável. Naturalmente, há pessoas que terão lido Freud, Platão que saberão fazer trocadilhos com os quarks e ver a diferença entre os falcões-peregrinos e um peneireiro, e que, todavia, serão rematados imbecis. Não obstante, potencialmente, estando em contato com uma multidão de estímulos e deixando o seu espírito freqüentar uma atmosfera enriquecedora, a inteligência encontra terreno favorável para o seu desenvolvimento, exatamente da mesma maneira que uma doença. Pois a inteligência é uma doença.”
AUTOR: Martin Page - Livro: Como me tornei um estúpido.
jbrfranca@gmail.com